Um copo de água oferecido,

dois minutos para ajudar a atravessar a rua,

conformar-se com o presente imprescindível,

um objecto a menos nos nossos utensílios,

umas moedas que não fazem falta,

um sorriso ao que está sempre triste,

um dia de jejum consciente,

uns refrescos a menos nos nossos suores,

essas tardes com grupos marginais,

umas carícias aos que nunca as têm,

umas horas a escutar abandonados,

uma compra a menos nos nossos bens,

cinco pães de cevada e dois peixes...

são coisas pequenas.

A nossa cultura progressista reprova-as.

Assistencialismo,

esmolas,

caridade,

paternalismo,

justificações,

austeridade sem efeito,

remendos,

dizemos na nossa linguagem.

Essas coisas pequeninas

não acabam com a pobreza,

não retiram do subdesenvolvimento,

não repartem os bens,

não socializam os meios de produção,

não desfalcam os antros de Ali Babá,

não subvertem a ordem,

não mudam as leis...

Mas desencadeiam a alegria do agir,

descobrem a força do partilhar

e mantêm vivo os vestígios

do teu querer e do nosso dever.

Ao fim e ao cabo,

actuar sobre a realidade, e mudá-la

embora seja muito pouco,

é a única maneira de saber e mostrar

que a realidade se pode transformar,

e que tu existes... e vens!

Senhor da história e da vida,

não seja eu a menosprezar e a deixar de fazer

as coisas pequenas de cada dia.